domingo, 17 de novembro de 2013

Uma pessoa tímida pode ser jornalista?

Está é uma das perguntas mais comum entre pessoas que desejam ser jornalista. Seja em época de vestibular, seja nos primeiros dias de aula, sempre existem alguns tímidos que não sabem se a timidez pode atrapalhar na profissão. Lembro-me dos meus primeiros dias de faculdade, e algumas pessoas, inclusive eu, que faziam esta pergunta aos professores. Hoje, na prática, vejo que, assim como em qualquer outra profissão, a timidez é um obstáculo superável por vários motivos. Um dos jornalistas esportivos mais conceituados da atualidade, Paulo Vinícius Coelho também precisou superar a timidez.

Considero a faculdade um fator essencial para desenvolver a profissão, pois aprendemos a superar essas dificuldades nos trabalhos desenvolvidos. Os jornais murais, informativos e trabalhos práticos nos ensinam a conviver com a rotina do jornalista.

Você precisa também saber que, na verdade, a maioria das entrevistas são individuais, o que deixa o diálogo mais informal, mas fácil de levar. É só você e o entrevistado. Não precisa ser afoito. Relaxe e comece com um assunto mais informal, como o tempo, um café ou coisa assim. As entrevistas coletivas ou em situações mais tumultuadas são poucas, se comparada com aquelas que você agenda por telefone. Aliás, muitas, hoje em dia, são feitas por telefone ou e-mail. 

Em primeiro lugar, não considero essa característica como negativa, muito pelo contrário. Dependendo da ocasião é um fator positivo. Mais tarde falo disso. O mais importante é você saber lidar com sua timidez e usá-la a seu favor. Falo por mim, que tenho um agravante, fico ‘vermelho’ com muita facilidade. Mas fui aprendendo a lidar com isso. Fazer apresentações, desde a época da escola, pensar em algo engraçado enquanto alguém fala sério ou ter que falar alto são situações rotineiras que me deixam ‘vermelho’. Aprendi a, em situações assim, relaxar, respirar devagar e falar pausadamente, para não falar besteiras. O resultado: nunca fiz perguntas taxadas de ‘idiotas’ ou confusas, pois a minha timidez sempre me impediu de falar sem pensar, o que é extremamente importante na profissão de jornalista. Já vi alguns colegas que falam pelos cotovelos, que não têm nada de tímido, fazerem perguntas ‘cretinas’, confusas e até que já haviam sido respondidas. Aí, você percebe que, normalmente, os afoitos é quem passam vergonha. Por isso, como falei, a timidez pode ser um ponto positivo, uma vez que ela te impede de falar sem pensar.

Pergunta inteligente não ofende
Outro exemplo que acho ridículo acontece em palestras e discursos, quando o jornalista pergunta algo que a pessoa já falou, ou sobre algo que já foi abordado na palestra. Acho perda de tempo, o entrevistado acaba saindo respondendo somente assuntos que ele já falou, portanto, sabia todas as respostas, e ninguém se atem a fazer perguntas que poderiam sanar dúvidas ou complementar uma informação. Mais uma vez, o jornalista que só faz perguntas por fazer, porque é ‘descontraído demais’ não faz um bom trabalho.

Além disso, com a prática, você vai aprendendo alguns ‘macetes’, como no caso acima de palestras e discursos. Se as informações passadas já são suficientes para o seu texto. Não há porque ficar na ‘nóia’ de ser obrigado a perguntar algo. No começo, achamos que somos obrigados a fazer perguntas porque somos jornalistas. Mas fui percebendo que dependendo do jornal onde trabalhamos, não adianta coletar informações desnecessárias. Podemos acompanhar as perguntas dos colegas, não é necessário ‘fabricar’ perguntas. Também já fui vítima disso no começo da profissão. No anseio de me sentir obrigado a fazer perguntas, fiz algumas muito tolas e desnecessárias, e percebi que estava fazendo papel de idiota. Era melhor ter ficado calado.

Não estou dizendo que você não deva fazer perguntas, mas só estou levantando a importância em pensar bem no que será perguntado, para não ‘colocar a carroça na frente dos burros’. Neste ponto a timidez é boa porque nos faz pensar bem antes de proferir uma pergunta inútil.

Ninguém é seu inimigo
Outra coisa que percebi com o tempo, é que existem jornalistas muito agressivos em suas perguntas. Fazem isso porque querem passar uma imagem de críticos ou incisivos, e acabam levando tudo para o lado pessoal, praticando um antijornalismo. Por exemplo, o jornalista que não gosta do prefeito (ou trabalha para jornal de oposição) só tem interesse em criticar e atacar o chefe do Executivo municipal. Não faz papel de jornalista e sim de oposição. É levado pela ‘lavagem cerebral’ dos proprietários do jornal. Isso é mais comum em cidades pequenas, onde os jornais são panfletos políticos. de qualquer forma, não seja levado a achar que fulano ou sicrano é seu inimigo. Ainda não vi jornalista ganhar destaque com atitudes assim.

Nunca tive a pretensão de fazer inimigos, bem como nunca fiz questão de fazer amigos com o jornalismo, mas posso me orgulhar de dizer que eu soube me desprender de ter que ser amigo ou inimigo, tenho que ser jornalista. E o que isso tem com o fato de ser tímido? Como nunca pensei em ser ‘o jornalista’ crítico e polêmico, sempre realizei minhas entrevistas com calma, pensando bem nas perguntas e em como fazê-las. Utilizando um tom de voz mais calmo e demonstrando que você não está levando para o lado pessoal, o entrevistado fica mais à vontade para responder sua pergunta. 

Certa vez, em minha cidade, um caso polêmico ocorreu entre os vereadores. Na sessão seguinte, foi aquele frenesi, um monte de jornalista apontando os microfones, fazendo exigências e fazendo perguntas de forma agressiva. Resultado, todos os entrevistados saíram calado. Mais tarde, sozinho, fui em alguns gabinetes e explique quais informações eu precisava. Com calma, serenidade e educação. Para resumir, consegui tudo o que precisava. Aliás, não apenas neste episódio, mas nunca me foi negado uma entrevista, pois aquelas pessoas sabiam que eu não estava ali para ‘crucificar’ ninguém, apenas trabalhava.

Obstáculo não. Aliado
Para terminar, gostaria de ressaltar que a maioria dos profissionais que conheço são pessoas tímidas, ou pelo menos, não ‘fanfarrões’. Estes aliás, vivem dando ‘barrigada’ por quererem ser polêmicos.
Se você quer seguir na profissão vai perceber que a timidez não é um obstáculo, mas sim um aliado.
Se você, ainda assim, acha difícil ser jornalista tímido, saiba que existem várias funções para um jornalista. Você não precisa ser necessariamente um repórter de campo, embora seja, na minha opinião, um passo importante na profissão.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Objetividade como escudo

Em seu ambiente de trabalho o jornalista sofre pressão de muitas formas ao escrever uma matéria. A começar pelos seus chefes, incluindo aí os interesses comerciais e políticos intrínsecos. Posso citar também os interesses das próprias fontes, por isso a importância de fugir do denuncismo e do jornalismo declaratório, que se resume a ouvir uma ou outra fonte sem buscar evidências e provas.

Eu já sofri muito com interessados em prejudicar alguém tentando influenciar na matéria, não apenas no conteúdo, mas na forma que as informações são apresentadas. Conforme Gaye Tuchman, a noção de objetividade de um jornalista pode ser percebida na forma, nas relações inter-organizacionais e no conteúdo.

O "escudo da objetividade" não é um privilégio do jornalista. Médicos, sociólogos e advogados, por exemplo, também o usam. O médico ao fazer um diagnóstico, se baseia em dados e passa seu ponto de vista baseado ao máximo em informações. O jornalista, quase sempre, tem um dia apenas para colher as informações, sintetizá-las e apresentar seu trabalho, sempre pensando na melhor forma de fazer tudo isso de maneira considerada aceitável pelos seus patrões, que, aliás, normalmente não são poucos.

Usar a objetividade é mais que um dever profissional é questão de "sobrevivência", e olha que na cidade que moro, é questão de sobrevivência mesmo!!! Para se blindar contra possíveis ataques, existem, basicamente, quatro itens que compõem a armadura do jornalista.

Quatro elementos da objetividade
Apresentar fatos conflitantes é sempre importante. Podemos dizer que é o conceito básico do jornalismo. Dizer que uma ponte será construída pode parecer propaganda política. Neste caso, apresentar possíveis modificações negativas ou alto custo, por exemplo, pode deixar a matéria menos 'panfletária'.

Documentos, imagens ou vestígios podem funcionar como provas auxiliares, que dão peso ao texto, deixando a informação "dura" o suficiente para ser considerada publicável.

As aspas, podem ser um grande amigo do jornalista, mas pode ser também um grande inimigo. Ao colocar palavras sob a responsabilidade de alguém, o jornalista desaparece do texto, mas o uso injustificado ou exagerado podem gerar um jornalismo de denuncismo. É muito cômodo colocar a fala de um e de outro e pronto. Sem análise, sem documentos, sem provas. Se um entrevistado diz que o fulano é corrupto, é preciso solicitar provas. Fazer matéria em cima de declarações é o que podemos chamar de imprensa marrom. Mostra um jornalismo tendencioso e que está disposto a prejudicar alguém a todo custo, nem que seja apenas com declarações de seus rivais.

Por fim, Tuchman menciona a estruturação. A forma como as informações são apresentadas também deve ser bem analisada pelo jornalista. Este assunto, aliás, é bem interessante e vou explorá-lo melhor em um próximo post. A estruturação conforme a hierarquia de importância das informações tem um forte apelo na apresentação da matéria. De todos os elementos da objetividade este é o que requer maior cuidado, pois a definição de quais informações são mais importantes que outras é um critério pessoal. Se mal utilizado pode ser subjetivo.

Estes quatro itens observados podem proteger o jornalista no exercício da sua profissão, evitando críticas das partes interessadas; São elementos que podem livrar o profissional de armadilhas impostas por chefes, fontes e até colegas de trabalho.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O lide (lead) e seus tipos

Uma das primeiras lições que aprendemos no curso de jornalismo é sobre o lide (lead, em inglês). Estamos nos referindo ao texto introdutório de todas as matérias. Não apenas na escrita, mas em todas as mídias. É o que deve chamar a atenção do receptor. Deve conter as informações essenciais da matéria. Também há quem classifique o lide como um gênero jornalístico, o mais comum.

Basicamente, diz-se que o lide deve responder às questões básicas: o quê, quem, quando, onde, por que e como. Também conhecido como os seis "Q's", apesar de 'como' e onde' não possuírem a letra, mas fica mais fácil aprender assim. Além disso, no inglês, esta técnica é conhecida como os seis W's (what, who, when, where, way e how). Evidentemente, que nem sempre é necessário que todas esses itens precisam ser respondidos. Também há ocasiões em que uma dessas informações seja irrelevante. Neste caso, não é necessário que ela esteja no lide. Pode estar no corpo do texto.

As duas funções básicas do lide são: informar e atrair o leitor. Um texto bem construído pode poupar muito tempo do leitor, que decidirá se continua a ler ou não. Além disso, em dias corridos como os atuais, evita que o leitor perca tempo lendo algo desnecessário, mas só descobre isso após ler toda a notícia. Por outro lado, faz que o leitor perceba que aquela notícia é realmente interessante para ele.

Técnicas
Não apenas no lide, mas até mesmo no título e no decorrer do texto, é preferível a utilização do texto direto, com verbo no presente do indicativo. O texto deve ser objetivo. Por exemplo: "O Brasil joga amanhã" e não "o Brasil jogará amanhã".

O primeiro parágrafo, ou no máximo os dois primeiros, devem conter as informações necessárias para que o leitor entenda do que está sendo informado. O texto restante é um aprofundamento para quem desejar obter informações mais detalhadas. É quase uma propaganda da própria notícia.

A ordem das informações não são as mesmas sempre. Evidentemente, mudam de acordo com a importância de cada notícia. Além disso não é necessário ficar 'bitolado' pelos seis Qs. Com o tempo, aprende-se a desenvolver o texto sem pensar tanto nessa questão.

Documentários, reportagens mais longas, e fait divers, não precisam seguir o lide tradicional por serem um gênero jornalístico mais leve (soft news).

Pirâmide invertida
Assim como o lide, a técnica da pirâmide invertida é uma lição básica do jornalismo. Lide e pirâmide invertida estão ligadas.

Esta técnica consiste em apresentar as informações mais importantes no início do texto. As informações supérfulas vão indo para o final do texto.

Alguns estudiosos de comunicação não acreditam ser esta a melhor maneira de apresentar uma matéria, mas o decorrer dos anos provam que esta é sim a melhor forma de desenvolver o texto jornalístico. Com esta técnica, os editores podem realizar os cortes necessários sem que o redator precise reescrever o texto.

No meu caso, inclusive, muitas vezes saí da redação sem que os editores tivessem lido meus textos. Mas sempre realizaram os cortes necessários sem precisarem reescrever tudo.

Posso dizer que, ao contrário do que é feito em livros e filmes, o climax de uma notícia deve estar no começo. Os pormenores ficam para o meio e final.

É indispensável que o jornalista domine essas técnicas para escrever. Ninguém fica duas ou três horas lendo jornais todos os dias (talvez a equipe de clippagem, mas isso é outra história). Mas muitos leem algumas partes de diversas matérias. Ler apenas o lide de muitas matérias, para a maioria, é melhor que ler uma ou outra matéria por inteiro.

O domínio da escrita também desenvolve o jornalista a captar as informações necessárias para cada texto, não perdendo tempo correndo atrás de informações que não serão publicadas.

Exemplos
Segue alguns exemplo de bons lides retirados do site do Estadão.

As mulheres se envolvem cada vez mais no tráfico e uso de cocaína e crack em São Paulo. Os dados, divulgados ontem pela polícia paulista, revelam que, das 980 pessoas presas em flagrante no ano passado, 229 eram mulheres. "Elas começam a fumar crack ou a cheirar cocaína em festas com os amigos ou namorados", revelou o delegado Fernando Vilhena. "Quando o fornecedor desaparece, passam a roubar e a fazer de tudo para conseguir a droga."

A que foi classificada como "a nevasca do século" nos Estados Unidos matou pelo menos 100 pessoas e bloqueou aeroportos, estradas e edifícios com uma camada de até 80 centímetros de neve. A tempestade obrigou as autoridades a fechar seis aeroportos e a declarar estado de emergência em seis Estados. Em Nova York, 18 pessoas ficaram intoxicadas pelo monóxido de carbono: o gelo obstruiu os canos de escapamento dos carros.

Exemplo de lide mal construído: 
Policiais de Osasco, na Grande São Paulo, esclareceram ontem o desaparecimento de Margarida Almeida de Souza, de 19 anos, filha de um empresário da cidade. No começo de março, ela saiu de casa para morar com o namorado Álvaro de Andrade Silva, de 23 anos, viciado em cocaína e maconha, e não deu mais notícias.

O Estadão recomenda que o trecho acima fosse escrito da seguinte forma:
Filha de um empresário de Francisco Morato, na Grande São Paulo, e desaparecida desde março, Margarida Almeida de Souza, de 19 anos, foi morta pelo namorado, Álvaro de Andrade da Silva, de 23 anos, em Miracatu, no Vale do Ribeira. Silva, preso anteontem por policiais de Osasco, alegou ter cometido o crime porque queria voltar a morar com a mulher e Margarida ameaçava denunciá-lo por causa do envolvimento dele com drogas.

O assunto não é tão simples como parece. Este BLOG, por exemplo, lista 32 tipos de lides.

Um exercício simples para aprimorar essas técnicas é pegar lides de grandes jornais e tentar reescrevê-los utilizando as mesmas informações, mas apresentando um texto diferente.

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